Reprint #3 – Design e política, de Fabiano de Miranda
Política, design, e política de novo.
Vai, Cadu, convence teus leitores agora de que essa edição não tem absolutamente nada a ver com um certo laranjão aí sendo eleito. Desdobra aí esse assunto sem parecer recalque, dor-de-cotovelo ou cartilha de partido, vai!
Fiquem tranquilos, isso não foi um comentário odioso que eu recebi. Isso é de mim pra mim mesmo, segurando essa pauta para um momento oportuno, mas sendo atropelado pela eleição de Donald Trump na semana passada. O problema — algo que eu gostaria que você pensasse nisso mais vezes — é que os maus políticos gostam que as pessoas pensem que política é apenas votar pra presidente. Não apenas gostam, eles precisam que as pessoas pensem em política apenas a cada quatro anos. Nada dá mais alegria ao mau político do que alguém que pede pra “não misturar com política” (né, Leifert…).
Eu tenho orgulho de, mesmo escrevendo sobre design e tipografia, não ter apenas designers entre assinantes do TA. Obrigado a todos os não-designers que me lêem, amo vocês, mas agora eu preciso bater um papo rápido com meus colegas de classe. Eu acredito que alguns de vocês devem estar pensando “tá, mas o que design tem a ver com política?”. Eu sei que política não parece algo que faz você mudar a cor de um botão, ou escolher uma fonte ao invés de outra; só que política tem a ver com esses aspectos sim, e muitos outros que, no fim das contas, compõem a retórica que você quer e/ou precisa contar. Não à toa, existe um livro tão sobre esse assunto que traz o assunto até no título. Entender sobre criatividade e retórica visual é a chave para entender como nossa atividade vive de política tanto na entrada quanto na saída.

É também importante lembrar que design não é só o que se entrega; também diz respeito a metodologia, a como o processo de projetar é pensado e executado. Logo, também é sobre política se você faz mais dinheiro senho CLT ou PJ; se você atende o Brasil e/ou o exterior; onde e como você aprendeu tudo o que sabe e usa no dia-a-dia; se você tem vez e voz nas reuniões com colegas e clientes; se a sua opinião move um pixel ou um KPI; se você recebe por quinzena, por mês ou a cada 120 dias; se os seus “entregáveis” informam ou deformam as pessoas; e até os nomes que você dá às coisas que você produz, o quanto você acha que tudo isso tem a ver com política, e a quem isso interessa no fim das contas.
Só que a política que rege essas pequenas coisas não é a política de quatro a quatro anos, nem o entretenimento de debate raso de direita vs. esquerda. Essa política é a que existe pelo simples fato de sermos seres humanos em sociedade, tendo que lidar com os recursos e meios existentes para nossa sobrevivência, e criando retóricas que ditam a permanência ou a ruptura de como vivemos em grupo. Política diz respeito à ordem e relações de poder que nós criamos e posicionamos as pessoas. Aproveitemos pra puxar outra pauta quente do momento: se você faz design profissionalmente no Brasil numa escala 6x1, isso não é só sobre economia ou a probabilidade do país “quebrar” (spoiler: não vai) se isso for abolido, mas também é sobre política. É essa política que a gente tem que prestar mais atenção de vez em quando.

Não que sua vida seja apenas a sua classe sócio-econômica, numa leitura marxista rasa. Tudo que compõe a sua existência, do tamanho da sua renda aos círculos de amigos que você tem, é guiado por política e pequenas relações de poder. E isso não é bom ou ruim, é apenas humano. A influência que você faz pra ser líder do grupo da igreja é política. As regras do torneio de futsal do seu bairro são política. Convidar e desconvidar para o seu casamento ou a festa de um ano do seu recém-nascido é política. Eu cito esses pequenos exemplos não pra você filiar-se a algum partido agora mesmo (aliás, por favor, não); isso é só para que você não seja uma pessoa despolitizada e passe alheia às relações de poder, mesmo entre amigos e pessoas acima de suspeitas, que afetam você e os que você ama.
E respondendo minha provocação inicial, eu venho ensaiando uma forma de falar de design e política desde o fim de outubro, quando membros do AfD, partido populista neo-nazista da Alemanha, orientaram legisladores de Dessau a não comemorar o centenário da Bauhaus na cidade. Não devia fazer sentido um partido político, em pleno 2024, encher o saco contra o que uma escola de design disse ou fez; só que faz mais do que você pensa. Por isso, eu trago para este Reprint o artigo do Fabiano de Miranda, que passeia pelos grandes movimentos das artes e do design, como estes movimentos relacionavam-se com a política e a sociedade, e as consequências disso para a nossa prática contemporânea de design.
Fabiano de Miranda é designer, pesquisador, professor, co-fundador do duo Pensar Infográficos, membro da Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI) e coordenador de curso no Centro Universitário UNINTER.