Letra Aberta #03 – Navegar sozinho em tempos de IA
Uma pausa na Stelle para refletir sobre navegadores, Internet e IA
Desde o final do ano passado, eu dei uma pausa no desenvolvimento da Stelle. Pra que vocês saibam, ela já tem um set de letras regulares e itálicas que eu tenho usado para redigir algumas correspondências e escrever currículos, a fim de testar espaçamento e ritmo, e ver se acho algo muito carente de correção. Essa pausa também serviu para eu ter foco no que, por toda a minha vida profissional, foi o que garantiu boletos pagos e alguma diversão: desenvolver websites. O mais recente deles, feito com muito amor e carinho para os meninos da Naipe Foundry, é o da Uai, uma família tipográfica humanista sem serifa voltada para gente como eu, que vive a labuta de criar e desenvolver interfaces para dispositivos eletrônicos. Como o nome sugere, o site também é cheio de mineiridades e uns trem legal de ver.
Pra quem se interessar por outras coisas que eu já fiz: também com a Naipe, eu tenho o hotsite da Pacaembu, uma geométrica sans-serif modernosa que homenageia o legado do estádio paulista e do futebol brasileiro e que, depois de idas e voltas, hoje compõe a identidade visual e sinalização do Pacaembú. Com a galera da Plau, tem o Brandcooker, que nasceu como uma ferramenta de geração de briefings para exercícios de branding e identidade visual tipográfica, e o site de ensino da Plau, com dezenas de artigos e conteúdo gratuito pra quem se interessa por essa pequena e nobre área. Tem mais coisas legais nesse ramo vindo aí, mas a frente tipográfica não vai ficar largada. No começo do ano, eu anunciei o nascimento da J58, minha futura foundry, meu barco para navegar o oceano da tipografia com a Stelle e outras fontes no meu cronograma, e que logo estará com velas içadas.
Agora, entra uma informação que vocês não esperavam: desenvolver websites é algo que, dia sim, eu juro que nunca mais vou fazer na vida, dia também eu me apaixono por alguma coisa nova e o entusiasmo de ver algo sendo construído continua ali. Lembram de, lá pros meados de 2010, que muita gente jurava que ninguém mais precisaria de fazer sites porque quem “ninguém precisa de nada além de uma fan-page no Facebook e um perfil no Instagram”? Corta pra 2020, e a web continuava mais vivona do que nunca até que elas apareceram… as IA’s generativas, com suas telas monocromáticas e monotemáticas entregando probabilidades de respostas, que tornaram-se a nova ameaça à minha classe. Se o usuário vai escrever um prompt e ficar apenas com a resposta, pra quê qualquer outra pessoa que não seja uma grande empresa ou serviço feito para a própria web vai querer se dar ao trabalho de ter um site?
Quisera eu ter uma resposta simples pra isso; embora, com o olhar de quem sabe como uma parte da salsicha é feita, eu ainda me preservo otimista, achando que não será dessa vez que a web interativa e navegável vai morrer. Contudo… sim, ela vai ficar mais nichada, feita por e para quem sabe andar fora dos jardins murados das redes sociais e das IA’s. Cada vez menos as longas URL’s serão a porta de entrada para esse mundo… elas virão pelos linktree’s da vida, pelas injustiçadas QR Codes, pelos selinhos de Instagram, ou pelos compartilhamentos espontâneos. Algumas IA’s ainda dão créditos com links de onde elas tiram as informações que apresentam, e isso ainda pode ser uma porta de entrada ocasional, mas não dá pra confiar por muito tempo. Elas querem muito emular as bibliotecas vivas e agnósticas dos contos de Asimov, e a web que eu ajudo a criar não faz parte desse futuro.

Só que não foi apenas isso que a IA, como um todo, afetou minha vida… e agora, vem um segundo ranço que, felizmente, não é uma dor apenas minha. Você, que está me lendo, provavelmente sabe qual navegador você usa no dia-a-dia. Não precisa dizer qual; que isso fique entre você e sua máquina. Contudo… você já experimentou mudar de navegador? Você lembra há quanto tempo você usou outro navegador pela última vez? Embora todos eles funcionem basicamente da mesma forma, certas comodidades fazem com que sair de um navegador para outro pareça como se você precisasse transplantar seu cérebro para outro corpo, e isso é uma dor que pouca gente sente porque todo mundo está ok com o que já está estabelecido pra elas.
Até pouco tempo, eu usava o Arc. Mudar do Firefox pra ele foi uma dor necessária, mas ele acomodou bem minhas necessidades — especialmente a de acomodar sessões diferentes em uma só janela. Isso, a grosso modo, permite que você possa fazer logins distintos de uma única página… por exemplo, ter o Gmail em abas diferentes mostrando e-mails diferentes. Só que a empresa que fazia o Arc largou ele esquecido no churrasco, redirecionando seus esforços para o Dia, um browser seco e voltado para uso com serviços de IA, que tende a enxergar a Internet inteira como uma resposta de chat bot. O resultado é que, na minha recente mudança de computador, o Arc ficou pra trás e, por enquanto, ainda estou no Safari, mas mantendo o Ungoogle Chromium ao lado pra qualquer necessidade.
O mercado de navegadores é um que tem andado de mal a pior. Há muita competição, mas pouca inovação de verdade. Tirando o Chrome, que parou no tempo e se acomodou, todos funcionam mais ou menos iguais e oferecem recursos semelhantes, ao ponto de você poder escolher o seu por alguma afinidade ideológica. Só que quase nenhum oferecia uma experiência multi-sessão tão boa quanto o Arc, e isso me permitiu passar raiva com quase todos… com os queridinhos dos crypto bros, como o Brave e o Opera, que viraram também mini-clientes de IA; e com alguns que parecem até instrumentos artesanais, como o SigmaOS, o Stack e o Zen. No final, fiquei no Safari mesmo, até que algum me ganhe, ou o Firefox não desapareça. Se esse tipo de drama te parece ridículo ou distante… te invejo, mas não muito.
Não que eu não tenha minha parcela de culpa nisso… eu era um estagiário nos Correios quando o Google colocou o Chrome no mundo, pegando tudo de bom que o Firefox tinha, como abas em processos distintos, e colocando um motor que respeitava minimamente os padrões web da época. De quebra, a página inicial era a que provavelmente você já usaria de qualquer forma, a busca do Google. Isso me fez recomendar o Chrome pra muita gente. Ainda acreditávamos no don’t be evil, e era preciso que algo ajudasse a enterrar de vez a dinastia do Internet Explorer. Eventualmente ele conseguiu, mas tornou-se o vilão que todo herói que vive por tempo demais é predestinado a ser: o Chrome virou uma peça essencial para a Google monopolizar o mercado de publicidade digital, piorar de propósito a qualidade do próprio serviço e criar o império que o Departamento de Justiça do governo dos EUA quer regular.

Refletir sobre essas coisas tem sido parte do meu cotidiano nos últimos tempos, e botar esse texto pra fora me ajuda a ver a dimensão certa das coisas. Quando eu penso em parar, não é sobre burnout, mas sim sobre pensar em qual será o lugar no futuro das pessoas que sabem como a web funciona e ajudam ela a ser feita. Isso se mistura com minha iniciativas solo em webdesign, algo que eu não vislumbrava pra minha vida há alguns anos, virou uma rotina e uma fonte importante de bons trabalhos, mas que eu ainda não sei lidar direito. Encanto e desencanto revezam, e acho que isso tende a ser natural. Tenho certeza de que, na J58, esses mesmos sentimentos virão em formas diferentes, e esse tempo de aventuras no HTML/CSS/JS terá sido importante pra ajudar a antecipar dores e oportunidades.
E fiquem tranquilos, vem mais novidades da Stelle em breve. (=
Escrito em 102442.680
o drama é muito real, hahahaha, enrolei muito pra largar o chrome, mas aí quando ele começou a brigar com os adblock pra poder obrigar todo mundo a ver as propaganda do youtube consegui finalmente por um fim no relacionamento abusivo
Larguei o Chrome como navegador padrão recentemente o/
Agora sou Moziller (porém uso o Chrome para coisas pontuais - tem várias features no Google Docs que não funcionam na raposa por ex)