Folhetim #1 – Tipos econômicos, letras anti-AI, Pergamon e Amputype
Uma compilação rápida de links interessantes, história e comentários
Tem alguns assuntos que eu tenho vontade de comentar, mas nem sempre rendem uma edição regular inteira só pra elas. Para isso, vamos ao primeiro Folhetim do Tipo Aquilo para apresentar e discorrer um pouco sobre assuntos diversos e novidades do nosso campo das letras pré-fabricadas.
Economizando com tipos
Por meio de vários experimentos com fontes, ajustes distintos de espaçamento entre letras, e até o desenvolvimento de uma fonte própria, uma das divisões da editora HarperCollins conseguiu desenvolver processos de diagramação e impressão que proporcionam economia de tinta e papel em novas edições e reimpressões de seus livros. Dessa forma, a editora consegue reduzir sua pegada de carbono em papel e tinta gastos, e economizar uns trocados.
Não que isso seja exatamente uma novidade, ou algo revolucionário. A Times, projetada por Victor Lardent e Stanley Morrison, tinha a finalidade de fazer caber mais tipos em menos espaço no jornal inglês The Times sem sacrificar a leiturabilidade do periódico. Contudo, mesmo que isso não seja algo novo e cheire a greenwashing, essa iniciativa da HarperCollins é louvável.
Percepção de fontes entre países diferentes
Escolher fontes é um atributo importante para a atividade de profissionais criativos, já que as formas das letras de cada tipografia inspiram sentimentos diferentes nas pessoas. Por isso, optar pela fonte mais adequada ao contexto numa peça gráfica é um meio de garantir que o usuário entenderá corretamente o tom da mensagem. Só que o sentimento que as pessoas têm com certas fontes pode ser diferente entre habitantes de países que utilizam o mesmo alfabeto latino.
De acordo com uma pesquisa da monopolista Monotype sobre cultura e percepção tipográfica, algumas fontes podem ter características mais bem-quistas ou evidentes entre nacionais de determinados países. Por exemplo, dentre oito países pesquisados, apenas os alemães escolheram a Cotford como a fonte que mais inspira credibilidade dentre as opções oferecidas, enquanto os demais sentiram mais credibilidade em textos compostos com a LS FS Jack. É importante e divertido entender como os resultados dialogam com a história de cada país com a escrita e suas indústrias tipográficas locais.
Pergamon, letras gregas em solo turco
Grécia e Turquia não são países que se bicam no tabuleiro da geopolítica contemporânea, embora compartilhem vários elementos culturais. Durante o governo de Alexandre, o Grande (334 a.C. a 323 a.C.), a civilização grega viveu o auge de sua extensão territorial, indo da península grega até o atual Afeganistão e oeste da Índia, englobando também o Egito e a península turca, e espalhando a cultura grega com monumentos de arquitetura clássica e inscrições escritas em grego arcaico.
A cidade de Pergamon, na Turquia, contém várias dessas inscrições em pedra, que foram o ponto de partida para o designer turco Onur Yazıcıgil projetar a Pergamon, uma fonte que transporta para a mídia digital as formas das letras presentes nos monumentos da cidade histórica homônima. A riqueza que o intercâmbio cultural proporciona ao esquecer um pouco as rixas históricas e juntar o conhecimento de pessoas de países diferentes e áreas de atuação distintas é um destaque da entrevista recente de Onur para a Typeroom.
Adversarial Mono, a fonte que máquinas (ainda) não podem ler
O pré-projeto final de mestrado de Gittic Szwarc é um convite para um diálogo sobre a nossa relação com máquinas, inteligências artificiais e a (oni)presença delas no nosso futuro cotidiano. Apesar de um dos produtos do projeto de Gittit ser uma fonte (até o momento) ilegível para máquinas e legível (calma, vou chegar lá) para humanos, a designer não busca um rompimento com a tecnologia moderna e as inteligências artificiais de aprendizado e plágio geração de conteúdo. Gittit busca apenas, com o texto de seus zines, entender onde nos situamos nesse contexto e como a tecnologia pode ser uma aliada nos anos vindouros.
Eu sou um entusiasta de tecnologias modernas, tenho meus pensamentos sobre isso, e bem… acho que não preciso dizer que a fonte dela, a Adversarial Mono, exclui máquinas (por enquanto) e mais um monte de seres humanos da discussão que ela propõe. Esse mecanismo de separar letras pela metade e sobrepôr metades diferentes de cada letra é interessante como manifestação artística; gera uma mancha gráfica visualmente apelativa, e que conceitualmente concorda com o conceito de todo o projeto. Só que ser difícil de ler tanto para humanos quanto para máquinas talvez signifique alguma coisa…
🔗 Gittit Szwarc: If you can read this, you're not a machine (dica do Thiago Corrêa, do Pistolando, e do )
Amputype
Próteses são artigos muito caros; alguns, de forma bem proibitiva para a maior parte das pessoas que precisam delas. Estima-se que em torno de 100 milhões de pessoas no mundo tenham perdido algum membro, e 80% delas não têm recursos para adquirir uma prótese — mesmo as mais baratas. Conscientizar as pessoas dessa realidade vivida por pessoas que perderam membros por diversas causas é o que motivou estudantes da Miami Ad School de Madrid a criarem a Amputype.
Na tipografia, comumente tomamos emprestado nomes da anatomia para designar partes específicas das letras. A Amputype utiliza dessa lógica para colocar como protagonista uma fonte (baseada na Noto Sans) amputada, que perdeu algum “membro” e precisa ser reparada com “próteses” que, na campanha, são partes de outras fontes. É uma forma simples e criativa de usar a tipografia como meio de conscientizar as pessoas dessa realidade vivida por tantos mundo afora.
🔗 Ads of the World: Amputype (via Brew #7, da )
Vestindo fontes
O bom de você ser conhecido como tipógrafo pelos amigos é que todos eles vão te mandar memes inspirados em fontes. Foi o que aconteceu na semana passada, quando Wisdom Kaye, modelo nigeriano-americano considerado pela revista Vogue a “pessoa mais bem-vestida do TikTok” lançou um vídeo com uma série de outfits baseados em fontes tipográficas clássicas, como Times New Roman, Courier, Franklin Gothic, Helvetica.
Não discordo da Vogue: a seleção de peças é muito rica, e as composições de indumentária são fabulosas. Até as mais simples, como a da Courier e Arial, passam um ar de sofisticação. Meu único ponto é que… bem… ninguém compreende a Futura. Ela não é exatamente uma tripulante da Enterprise ou uma adolescente de Xandar; talvez tivesse uma cara mais de ficção científica hard se fosse lançada com seus caracteres originais, presentes na Architype Renner. Se fosse pra pensar em roupas com cara de Futura, eu pensaria mais na indumentária dos artistas modernistas dos anos 1920. Só que isso é implicância minha; apenas assistam, vale a pena.
🔗 TikTok: wisdm8 (dica de um monte de amigos… vocês sabem quem são, muito obrigado e desculpa por qualquer vacilo)
Escrito em 101480.077
Fiquei dividido entre gostar e desgostar muito do vídeo de vestindo fontes. Ao mesmo tempo em que as roupas parecem bem adequadas, parece que... não são? Hahahaha. É um sentimento conflitante.
único look que o tiktoker acertou foi o da courier