Vamos falar de fontes #3 – Cooper Black e Grenze
Manchas fofinhas e romanas góticas
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Cooper Black (Barnhart Brothers & Spindler/ATF), de Oswald Bruce Cooper
Da segunda metade do séc. XIX até o crash financeiro de 1929, os EUA viveram um momento próspero em sua economia. No entanto, a indústria tipográfica estadunidense foi colocada em uma situação complicada; as máquinas de composição a quente da Linotype tomaram o mercado gráfico no país, reduzindo a demanda por tipos móveis e forçando donos de foundries a juntarem-se para proteger seu mercado. Esse contexto foi importante para o surgimento da American Type Founders, uma fusão das maiores fundidoras de tipos dos EUA que ajudou a padronizar o mercado tipográfico local e torná-lo mais competitivo contra fundidoras europeias.
A ATF foi também uma importante plataforma para type designers americanos, que ajudaram a criar um estilo “americano” de tipografia. Dessa época, temos designers relevantes até os dias atuais, como Frederick Goudy, Morris Fuller Benton e “Oz” Cooper. Nascido numa pequena cidade de Ohio, Oswald Bruce Cooper estabeleceu-se em Chicago como letrista e administrador do maior estúdio de produção gráfica do meio-oeste americano, especializando-se em tipografia e abertura de letras. Sua reputação rendeu-lhe um convite da fundidora Barnhart Brothers & Spindler para desenhar uma família tipográfica homônima, aceito após incentivo de seu sócio Fred Bertsch, dando origem à tipografia Cooper Old Style.
Quatro anos depois, Cooper criou mais dois estilos que se tornaram sucesso de vendas e objeto de discórdia entre type designers da época. Cooper desenhou uma versão pesada de suas primeiras fontes, aumentando espessuras de traços e mantendo serifas e acabamentos arredondados. Assim, em 1922, foi lançada a família Cooper Black, com versões normal e itálica. O peso exagerado dos caracteres da Cooper Black, comparada com quaisquer fontes da época, fez ela ser mal-vista por outros colegas de profissão de Oz, que apelidaram-na de “ameaça negra”. No entanto, comparada a outras fat faces da época, o contraste reduzido e a aparência redonda fez dela um sucesso no mercado publicitário.
A partir daí, o resto é história. A Cooper Black foi incorporada ao acervo da ATF em 1933, com a aquisição da Barnhart Brothers & Spindler, e tornou-se um ícone do design gráfico com o tempo. Ela está presente em grandes álbuns do rock, como L.A. Woman (The Doors), Pet Sounds (Beach Boys) e The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (David Bowie). Ainda na música, o hip-hop adotou a Cooper Black em capas de álbuns e no vestuário customizado de rappers e MC’s durante os anos 1970 e 1980. A Cooper Black esteve também em séries de TV e streaming, como Everybody Hates Chris (2005—2009) e Dear White People (2017—2021).
Ela também aparece em algumas identidades visuais, como a da companhia aérea easyJet, dos alimentos Uncle Bens, da rede canadense de vestuário Roots, entre outras empresas. Sua aparência amigável e “fofinha” fazem com que, mesmo apresentando um grande peso visual, seus caracteres despertem simpatia. A versão itálica parece ainda mais cool e despojada, dando uma sensação de movimento e rapidez às letras pesadas de Oz. Essas qualidades fizeram da Cooper Black a segunda fonte mais vendida da história da ATF. A associação, por sua vez, não teve uma história tão longa, encerrando suas atividades ao ter sua falência decretada em 1993; contudo, o esforço que fez para que seus type designers fizessem frente às fundidoras europeias ajudou a Cooper Black a marcar seu espaço no design gráfico e manter-se influente até hoje.
Grenze (Omnibus Type), de Renata Polastri
Quando estudamos a história da tipografia, vemos Johannes Gutenberg desenvolvendo sua prensa de tipos móveis entre 1448 e 1450, e criando tipos baseados nas letras blackletter, usadas pelos calígrafos alemães da época. No entanto, ao aterrissar na Itália, o estilo blackletter foi rapidamente substituído pelo que entendemos atualmente como tipos romanos, inspirados nas antigas capitais imperiais romanas e na caligrafia humanista feita por letristas locais. Essa transição, influenciada pelo Renascimento, é importante para consolidar as formas das letras que usamos atualmente, mas é pouco explicada para alunos de design, e até mesmo profissionais da área têm dificuldade de entender esse momento histórico.
Conforme a tecnologia das oficinas tipográficas espalhou-se pela Europa, o modelo de letras criado na Itália também tornou-se padrão na França, Flandres, Países Baixos, Península Ibérica e leste europeu. O estilo blackletter ficou recluso, servindo de modelo para alguns tipos gravados ao longo do tempo. O uso pelo partido nazista em sua comunicação oficial, entre as décadas de 1930 e 1940, colocou as letras pesadas de formas retas no ostracismo novamente. O blackletter reapareceu, aos poucos, por meio da contracultura, do heavy metal e do hip-hop; o trabalho de resgate histórico feito por Rudolf Koch na Alemanha dos anos 1920 serviu de base para que o blackletter ganhasse uma nova vida entre calígrafos e artistas de lettering contemporâneos.
Na tipografia, o estilo blackletter é uma referência para designers, tanto em revivals de modelos históricos (especialmente o subgênero Fraktur) quanto em fontes autorais, que usam seu aspecto modular e quadrado como referências em novos desenhos de tipos. Alguns produtos dessa influência do blackletter incluem fontes com inspiração mais óbvia, como a Bork de Lu Leitenperger, nascida com o desafio de fazer uma fonte usando apenas pontos sem curvas de bézier. Outras fontes monstram uma influência do blackletter em outras vias, como é o caso da Grenze, da designer Renata Polastri.
Desenvolvida entre 2016 e 2017, a Grenze não é categorizada como uma família tipográfica blackletter a princípio, apresentando as formas tradicionais dos tipos romanos. A influência das letras “góticas” aparece quando olhamos seus caracteres mais de perto e vemos, por exemplo, alguns traços “quebrados”, como se a pena quadrada viajasse por um ductus que muda de direção abruptamente. Esse aspecto “quebrado” guarda semelhança com o aspecto quadrado das letras blackletter. As inclinações presentes nas serifas e nas porções inferiores de letras como “c”, “e” e “o”, que evocam as terminações inferiores em diamante de estilos como a textura quadrata. Estes e outros atributos justificam a Grenze como um “híbrido” entre as letras romanas tradicionais e o blackletter.
A alta qualidade das letras desenhadas pela Renata fez com que a Grenze fosse selecionada para a 8ª Bienal do Tipos Latinos, em 2018. A fonte possui uma variação chanada Grenze Gotisch, cujas letras maiúsculas possuem traços decorativos com inspiração mais clara nas letras blackletter, assim como as terminações prolongadas de caracteres como “h” e “f”. Distribuída sob a SIL Open Font License, a Grenze está disponível para uso gratuito tanto na plataforma Google Fonts quanto no portal da Omnibus-Type. Tipografias como a Grenze, Bork e outras mostram como um estilo pode ser resgatado e interpretado de diferentes formas, gerando resultados inovadores baseados na mais antiga das tipografias europeias.
Onde adquirir
Grenze e Grenze Gotisch, Renata Polastri, em Omnibus-Type.
Cooper Black, Oswald Bruce Cooper, em Adobe Fonts.
Escrito em 101470.83