Tipo Aquilo #34 – O que está escrito nas ruas
Primeiramente, quero fazer um pequeno egotrip de agradecimentos e balanço desse ano maldito, mas bem produtivo pra mim. É o segundo ano dessa iniciativa de escrever histórias e curiosidades sobre tipografia e design como uma forma de me forçar a continuar estudando no tempo em que, mesmo que eu quisesse, não poderia estar desenhando letras.
Atualmente eu tenho um pouco mais de tempo, mas escrever e pesquisar continuam um insumo importante para as letras que eu abro. Compartilhar esse conhecimento também é essencial para algumas convicções que tenho sobre a importância da tipografia e do design. Do ano passado pra cá, mais 45 pessoas se inscreveram para ler essas histórias doidas, e receberam (com esta) 11 edições e 13.296 palavras ao longo do ano.
Pra vocês que tiveram essa paciência e prestaram um pouco da sua atenção ao longo do ano, meu mais sincero muito obrigado. Sempre que quiserem sugerir temas, respostas para alguma dúvida ou questionamento, ou só dizer o que espera do Tipo Aquilo para as próximas edições, fiquem à vontade para mandar um recado. Em fevereiro, a newsletter volta. (=
Passei um tempo pensando o que seria algo bom pra falar nessa última edição. Um repeteco do ano passado com um texto sem muito compromisso? Talvez eu dedicasse a fazer uma defesa concisa da Comic Sans, da qual estou longe de ser um detrator. Foi um bom plano B, mas fica pra 2021.
Pensei em falar de Helvetica e Futura, famílias clássicas que ganharam grandes atualizações nesse ano, talvez como uma forma de retrospectiva. Só que eu não sou de escrever sobre fonte apenas pelo lado técnico dela, sem um contexto; o fy{T}i do MyFonts, por sua vez, faz isso bem. Fica também pro ano que vem, porque já tenho uma desculpa pra cada uma e não quero falar de fonte velha agora. ;)
2020 foi um ano desgraçado que drenou todo mundo física e mentalmente. A pandemia exigia que todo mundo reduzisse a quase zero as interações presenciais fora de casa, os deslocamentos e a dispersão de fake news sobre o Sars-CoV-2. Não foi o que aconteceu. Nos EUA, milhares de manifestantes engajados no Black Lives Matter precisaram correr os riscos de uma doença sem cura, a brutalidade policial e todos os efeitos de um racismo estrutural incrustado na sociedade para que fossem ouvidos.
A morte de George Floyd foi só o estopim de toda insatisfação vivida pelas pessoas que sofrem de diversas formas com o racismo todos os dias. No Brasil, não foi diferente. Ruas foram ocupadas, estátuas foram derrubadas, e além de cartazes e gritos de protesto, mensagens poderosas foram estampadas em várias avenidas, ocupando o espaço que pertencia aos carros e seus deslocamentos burocráticos.
Há muitos símbolos marcantes em torno de cada rua pintada de “Vidas Negras Importam”. A tomada das ruas como reivindicação de um espaço público, as milhares de pessoas expostas à violência e à Covid-19, a extensa cobertura da mídia sobre as reações imediatas aos protestos. Pra fechar o ano, eu dou destaque às palavras escritas nas ruas, que penso que são o que há de mais representativo de 2020 em termos do uso das letras pela sociedade.
Todo grupo de discussão de design gráfico foi surpreendido com as fotos aéreas das letras pesadas nas avenidas. Todo jornal que imprimiu essas fotos e todo telejornal que mostrou essas palavras de ordem nos lares das pessoas teve que explicar porque o racismo é esse grande elefante na sala de todo mundo. Marcas precisaram rever seus posicionamentos ante a insatisfação das pessoas (oi Carrefour!) e explicar porque suas diretorias são tão brancas, mesmo com iniciativas de diversidade. Até nas organizações de tipógrafos esses protestos soaram com força.
Eu gosto de acreditar que isso é só o começo; 2021, com as pessoas vacinadas e livres pra protestar, promete mais. Esse ano teve motivos de sobra pra irritar populações que ficaram desprotegidas por governos negacionistas. O pouco isolamento social expôs várias fraturas na sociedade, de ordem econômica, racial e sexual; e quem acha que o grande problema da sociedade é a dita polarização dos últimos anos ainda vai se surpreender muito.
Com tudo isso, me despeço de vocês e espero que o fim de ano seja tão bom quanto puder ser. Fiquem protegidos, protejam quem vocês amam, descansem o quanto puderem, mantenham a saúde física e mental em ordem. 2021 será muito diferente de tudo que a gente espera, com ou sem vacina. Tenham um Feliz Natal, e que, no meio dessa bagunça por vir, exista espaço para as resoluções e bons desejos de vocês no ano que vem. (=
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Recomendações:
🎧 Podcast: Trilha Diplomática #8, com uma retrospectiva dos eventos de 2020 no mundo comentados com o prof. Tanguy Baghdadi.
🎥 Vídeo: DiaTipoX 2020, uma playlist inteira com os vídeos da edição virtual e independente do DiaTipo.
🔗 Link: Black Lives Matter, o site oficial do movimento, dedicado a contar suas histórias e ações pelo mundo.
🇧🇷 Fonte brazuca: Nikkei Maru, de Caio Kondo, Lais Ikoma e Satsuki Arakaki.
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