Tipo Aquilo #31 – The Brutal Evil Letters of Heavy Metal Gods
Quando falamos de marcas de bandas de rock, falamos de algo que esgarça aquele axioma de que existem coisas para serem lidas, coisas para serem vistas e coisas para serem apenas sentidas. O rock tem raízes em estilos musicais bem populares, e chegou à sua maturidade numa época louca do mundo, regada a contracultura, alucinógenos e a vontade de transgredir uma sociedade bem mais conservadora que a nossa.
“Sacudir e gritar” é um verso inocente nos dias de hoje, mas representava um sentimento libertador nos anos 50 e 60. Coisas como um vocalista que comia morcegos, uma banda cujo nome significava “crianças a serviço de satã”, um guitarrista que trocou todo o sangue numa cirurgia, e símbolos que sambam… digo, fazem roda punk na cara da legibilidade ajudam a criar um repertório visual para um sentimento de inovação e contestação que acontece de tempos em tempos nas artes.
Agora, vamos estabelecer o recorte desta edição: embora a década de 60 tenha coisas muito experimentais e bonitas em termos de lettering e tipografia, elas valem uma edição própria. Por isso, vamos falar de década de 70 para frente; melhor dizendo, de Black Sabbath pra frente, porque foram eles que inventaram o heavy metal (polêmica!). Por mais que a distorção pesada na guitarra já existisse, o repertório do Black Sabbath de histórias de terror, ocultismo, crítica social e pouca virtuose instrumental era o contexto perfeito para esse peso sonoro.
O Black Sabbath, inspirados no filme “Black Sabbath”, cujo primeiro álbum “Black Sabbath” tem a primeira música de nome “Black Sabbath” (dsclp!), lançou em 1973 seu quinto álbum, “Sabbath Bloody Sabbath”. A arte gráfica de Drew Struzan traz, além das imagens de demônios, um logotipo inspirado em letras góticas, que ainda eram tabu pela lembrança da Alemanha nazista. O uso de letras blackletter não era tão novidade assim; até Elvis Presley usou em “His Hand in Mine”, seu disco gospel de 1960. No entanto, isso virou um clichê do heavy metal, uma maneira de subverter valores cristãos junto com elementos apanhados de pinturas clássicas e uma estética anticristã semeada por ocultistas da época, como Anton LaVey.
Outra tendência de marcas de bandas de heavy metal também veio de uma “inspiração” (teria mais aspas aqui se pudesse, vocês entenderão porquê) inusitada. “The Man Who Fell to Earth”, dirigido por Nicolas Roeg, é o primeiro filme com David Bowie interpretando um personagem principal. O pôster, feito por Vic Fair em uma madrugada (!!), traz letras que eu imagino que você já deve ter visto em algum lugar.
No mesmo ano em que o filme era produzido, Steve Harris largou a carreira de desenhista arquitetônico e fundou o Iron Maiden. Embora o primeiro álbum deles tenha sido lançado em 1980, eles já tocavam em pequenos shows desde 1976, e alguns cartazes já traziam o logotipo da banda usando as mesmas letras desenhadas por Fair para o filme. O baixista jura por Satã que desenhou por conta própria; fica aí essa questão pra vocês decidirem. A despeito da criatividade de Harris como designer, as letras de Fair e o logotipo do Iron Maiden trouxeram mais uma tendência para o heavy metal, o de letras geométricas e pontiagudas, que denotavam agressividade e peso.
Letras geométricas e/ou inspiradas no blackletter tornaram-se uma tendência no estilo musical. Rainbow (e o Dio), Mercyful Fate (e King Diamond), Metallica, Judas Priest, KISS, Megadeth, Slayer e Anthrax são alguns exemplos de bandas que surfaram essa ondinha. Dependendo de como esteja o seu humor, pode incluir Van Halen e AC/DC também. Vale também um pequeno adendo sobre o uso puramente estético de tremas (umlauts), outra influência germânica que caiu no gosto de Motörhead, Blue Öyster Cult e Mötley Crüe.
Essa identidade transgressora do início do heavy metal ainda preocupava-se com um mínimo de legibilidade e reconhecimento. Uma banda tinha que ter um logotipo razoavelmente fácil de ser criado com régua e esquadros, redesenhado por artistas contratados para elaborar capas, e reproduzido em adesivos, pôsteres e todo tipo de penduricalho que desse dinheiro para a banda gastar em cocaína melhores instrumentos e turnês, e o heavy metal se consolidasse como o circo lucrativo que é até hoje. Dos anos 90 para frente, o lado teatral dessa estética ficou questionável (pode chamar de poser também), e não só outros estilos de rock não compravam mais dessa estética.
Outras duas histórias interessantes pra se contar sobre logotipos de metal vão por caminhos bem opostos. A primeira vem da Escandinávia, dos logotipos trevosos e ilegíveis da cena de black metal do fim da década de 80. Ela toma o heavy metal inglês/americano como superproduzido e preocupado apenas com pose, e soma isso à redescoberta da mitologia nórdica e a cultura pré-cristã. Por isso, os logotipos se inspiravam nessa cultura pagã e em elementos da própria região, e eram feitos para serem agressivos, enigmáticos e difíceis de entender. A aparelhagem dessas bandas era tão tosca quanto a qualidade do som final, apesar do esmero em relação às letras e melodias das músicas.
Por fim, já que eu falei de nomes incríveis como Vic Fair e Drew Struzan (quando você terminar de ler, vá procurar pelo trabalho deles, vale muito a pena), também coloco na roda o famoso calígrafo John Stevens, um dos maiores calígrafos e artistas de letras, e referência obrigatória pra todo mundo que vive disso. Quem conhece o Stevens deve pensar “tá, Cadu, mas ele tem vários nada a ver com heavy metal”.
“Images and Words”, o segundo álbum do Dream Theater, traz no topo da arte de Larry Freemantle um logotipo feito pelo John Stevens e inspirado em letras imperiais romanas, que reforça um aspecto onírico das artes dos álbuns seguintes. Por ora, consigo lembrar apenas de Dream Theater e Nightwish entre bandas que seguiram com logotipos caligráficos, ainda que tão distintos quanto as próprias bandas.
Inclusive, o grande problema de quando você começa a estudar caligrafia é começar a identificar alguns erros ou excessos de liberdade poética em logotipos de bandas. Pior ainda se é o caso de sua banda preferida, já que nem todas conseguem a sorte de contratar alguém como o John Stevens da área para assinar uma identidade visual. Por outro lado, Stevens definitivamente não tem vínculo nenhum com qualquer rock que exista; dentre tantas obras maravilhosas dele, quando indagado sobre Dream Theater ou o logotipo que criou, apenas diz que “acho legal que eles ainda usam isso”.
Recomendações:
🎧 Podcast: Ensaio Marcado #4, com Anderson Mioto, Nicoll Siqueira e José Filho conversando sobre capas de álbuns consagradas.
🎥 Vídeo: Drew: The Man Behind the Poster, o trailer do documentário sobre a arte de Struzan e a produção dos pôsteres de grandes superproduções do cinema.
🔗 Link: John Stevens, o site com diversos trabalhos de um dos maiores calígrafos da atualidade.
🇧🇷 Fonte brazuca: Tupã, de Diego Maldonado.
Escrito em 98464.08