TA Condensed #1 – Disney e Formula 1
Multifontes nas corridas e as letras de Walt Disney
Pra esse ano, eu trouxe mais um experimento para o Tipo Aquilo. Tem alguns assuntos que dificilmente rendem uma edição inteira, mas ainda assim, valem um pouco de investigação e discussão. Para esses assuntos que não são fontes, links, dúvidas ou reprints, mudamos os ajustes para que sejam acomodados no TA Condensed. Sem mais delongas, vamos aos tópicos.
Walt Disney
A marca da Walt Disney, por todo o poderio da empresa criada pelo animador americano, é uma das mais famosas e reconhecidas mundo afora. Está presente em filmes, séries, em lojas de aplicativos e milhões de dispositivos, em brinquedos e outros produtos que licenciam personagens e elementos de suas dezenas de histórias e franquias, em video-games, na decoração de seus parques temáticos, e na identidade visual de suas dezenas de sub-marcas, reunidas sob o The Walt Disney Company, empresa-mãe fundada pelos irmãos Roy e Walter Disney. A marca gigante do entretenimento é a sétima mais valiosa do mundo no ranking da Forbes e 16ª no Best Global Brands da Interbrand, com valor estimado de US$ 42,2 bilhões. Além dos personagens clássicos, a Disney é conhecida e amada pela experiência proporcionada em seus parques — em especial, o Walt Disney World, em Orlando, Florida.
A origem da atual marca gráfica da Disney, que atualmente corresponde a uma versão estilizada do autógrafo de Walt, vem de 1937, quando a produtora começou a usar uma assinatura manuscrita como identidade visual em seus filmes. Embora as letras guardem semelhança com os autógrafos e outros registros manuscritos de Walt, a assinatura de 1937 tinha um preparo especial para seu uso como marca de cinema, deixando as letras mais uniformes e com um desenho mais limpo para a projeção em salas de cinema mundo afora. Desde então, a assinatura da marca foi submetida a algumas atualizações com o tempo, adotando o desenho atual do logotipo em 1975, e adicionando um desenho estilizado do famoso Castelo da Cinderela em 1985. esse movimento ajudava a fazer da marca gráfica da Disney um exemplo de “fábrica de sonhos”, unificando a experiência audiovisual dos filmes e desenhos animados e a experiência sensorial motivada pelas atrações dos parques e instalações físicas.

Algo curioso sobre como a Disney trata suas dezenas de sub-marcas é uma espécie de “respeito” e proteção que ela tem com as letras desenhadas por Walt e seus artistas gráficos ao longo do tempo: todas as sub-marcas utilizam o logotipo da Disney com letreiros adicionais compostos em outras fontes. O logotipo da Disneyland Paris, o parque temático localizado em território francês, é uma das únicas iniciativa da própria empresa de estender artificialmente os caracteres do logotipo para adicionar um novo ramo à sua arquitetura de marcas. Não existe, por parte da Disney, um interesse explícito em transformar o logotipo em uma fonte customizada, com um alfabeto completo, o que é uma atitude compreensível. Se, por um lado, ter essa tipografia derivada do logotipo ajuda a criar um universo visualmente mais coeso de sub-marcas, por outro lado, ela pode não proporcionar a mesma formalidade e credibilidade que exigem alguns dos mercados em que suas subsidiárias atuam.
Contudo, isso não quer dizer que não existam letras criadas a partir do logotipo em outras aplicações. Há fontes disponíveis na Internet, como a Waltograph, criada por Justin Callaghan, que “completam” o alfabeto do logotipo, mas sem o endosso oficial da marca. Só que eles não partiram do absoluto zero para criar as demais letras; houve alguns ensaios feitos pela própria Disney nesse sentido, em ocasiões especiais. Uma delas, eu lembrava de infância, no jogo de Super Nintendo “Magical Quest Starring Mickey Mouse”. Alguns sprites do jogo mostram um alfabeto quase completo com letras inspiradas no logotipo, que de acordo com os créditos do jogo, provavelmente foram feitas pelos desenvolvedores da japonesa Capcom. Há também um filme feito pela Disney, “Walt Disney: One Man’s Dream”, que possui letreiros feitos pela gigante do entretenimento que inspiram-se no logotipo.





A Waltograph não tem um endosso oficial da Disney, sendo distribuída como um freeware para uso unicamente pessoal, já que se trata de um trabalho derivado de propriedade intelectual da empresa americana. Qualquer uso comercial da Waltograph ou de qualquer fonte “inspirada demais” no logotipo da Disney corre o risco de ser vista como uso ilegal de propriedade intelectual. Só que… e se o uso comercial em questão for feito pela própria Disney? Foi o que o próprio Justin constatou, em registros do uso de sua fonte em atrações específicas do parque de Orlando. É complicado tentar especular o paradoxo legal desse tipo de uso, ou o quanto é justo a Disney apropriar-se de trabalho feito por fãs de seu universo; mas, por via das dúvidas, não seja você a pessoa a usar conteúdo com copyright da Disney. A não ser que você esteja tentando evitar que seu p*rnô amador espalhe-se pelo YouTube, melhor nunca usar nada deles.
Formula 1
Há pouco mais de dez anos, a mais nobre categoria do automobilismo vivia uma crise existencial. Uma guerra entre equipes e a FIA quase matou a categoria em 2009, e nos anos seguintes, sua administração fez pouco para adaptar-se a novos tempos, ignorando novas mídias, a formação de novos fãs, e até as necessidades da indústria automotora. Desde a aquisição da categoria do esporte a motor pela Liberty Media, em 2017, a Formula 1 passou por uma revolução, um rebranding completo, com direito a uma nova identidade visual e uma nova postura em relação a patrocinadores, parceiros e operadores de mídias. Fenômenos como a série Drive to Survive, da Netflix, foram possíveis graças a essa Formula 1 reformulada.
Por vários anos, a Formula 1 teve uma das marcas mais “espertas”, por assim dizer, em que o jogo de formas e contraformas entre o F e o 1 fazia dela uma referência de simplicidade inteligente. O trabalho da agência Wieden+Kennedy deixou esse legado para trás e introduziu uma marca geometrizada, com o F e o 1 formados a partir de retas com curvas fechadas, mantendo o aspecto de dinamismo e velocidade que a categoria exige. Outro personagem importante dessa mudança de marca foi a tipografia customizada, uma família de três fontes (Regular, Turbo e Torque) criada pelo neerlandês Marc Rouault, que desde então compunha títulos, nomes de pilotos e equipes, registros de tempo e outros avisos criados via geração de caracteres nas transmissões. Nas mídias sociais e em todo tipo de impressos, as fontes de Rouault brilhavam sozinhas; no site oficial e em documentos oficiais da categoria, elas são acompanhadas da Titillium Web para as manchas de texto.
A tipografia customizada para a Formula 1 tornou-se um caso de sucesso, sendo usada de formas diferentes e inovadoras para o automobilismo como entretenimento. Como fazia parte do plano da Liberty Media usar redes sociais como YouTube, Instagram, X Twitter e outras para mostrar momentos marcantes das corridas e da história da categoria, as fontes F1 fazem esse papel de unificar e dar coesão ao trabalho feito pela Formula One Management, funcionando como uma extensão ideal para a marca. As letras com formas geométricas inspiradas em circuitos de corrida adaptam-se às cores de equipes e pilotos quando necessário, e os desenhos simples tornam mais fácil a vida dos especialistas em motion design, ganhando apelo com uma nova geração de jovens fãs que a antiga gestão havia escolhido deixar pra trás.
Neste ano, a joia da coroa do automobilismo completa seus 75 anos trazendo algumas novidades para os fãs. Em fevereiro, a FOM realizou o primeiro evento conjunto entre equipes para o lançamento das pinturas desta temporada, no O2 Arena em Londres. Pouco depois, nos dias de pré-temporada no Bahrein, os espectadores viram algo diferente nos gráficos ao vivo. Algumas marcações numéricas, como números de pilotos e registros de tempos parciais por setor, usavam uma fonte diferente, semelhante a caracteres OSD (on-screen display) gerados em TV's e videocassetes nos anos 1990. A revelação da abertura oficial dessa temporada trouxe ainda mais um estilo para a composição, com algo que parecia uma fonte de estilo manuscrito para os primeiros nomes dos pilotos. Aos poucos, os espectadores mais atentos se ligaram que essas fontes são a KH Interference (de Thomas Kurppa, Jakob Ekelund e Wille Larsson) e a Northwell (da Set Sail Studios).


O uso de fontes adicionais é uma novidade para a Formula 1, que ainda não sabemos se será permanente ou esporádica, já que elas chegam por ocasião do aniversário de 75 anos. É certo que um respiro de novidade faz bem à identidade visual usada na transmissão. A forma como cada fonte vem sendo usada têm contribuído para aplicações visualmente agradáveis, que não causam uma poluição gráfica e oferecem a legibilidade precisa para suas aplicações. Pode ser um momento oportuno para a Formula 1 atualizar seu kit tipográfico e trazer novas fontes para os próximos anos, focando especialmente na leitura rápida de informações numéricas. A aquisição da MotoGP pela mesma Liberty Media, no ano passado, tende a causar na super categoria das duas rodas a mesma revolução midiática que deu um vigor quase inédito para a Formula 1 nos últimos anos.
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Escrito em 102265.296